
Jacques Ellul em Anarquia e Cristianismo
Na história cheia de contrastes do cristianismo, o maior contraste talvez esteja no quão rapidamente os cristãos aprenderam a ignorar as terríveis exigências das palavras e do exemplo do homem que pretendiam seguir. Em que, de todos os heróis cristãos, ninguém tenha sido historicamente menos ouvido e menos levado em conta do que o próprio Jesus.
Mas se Jesus é como afirmava ser a ressurreição e a luz do mundo, a verdade, o caminho e a vida. Se, como ele dizia, não se pode esconder uma cidade edificada sobre o monte, de que forma os cristãos conseguiram manter-se por dois mil anos praticamente a salvo da sua mensagem?
Parte importante do problema pode ter sido, paradoxalmente, a extraordinária e crescente popularidade que o cristianismo foi alcançando ao longo dos seus primeiros três séculos de história. Mesmo antes que um ponto final houvesse sido colocado nos livros do Novo Testamento, a nova e revolucionária doutrina do Caminho se propagava à velocidade da língua por mercados, bazares, casas, sinagogas, teatros, tribunais, palácios e escolas de filosofia.
Constantino foi o primeiro imperador romano a professar e organizar o cristianismo como religião no Concílio de Nicéia em 325, e posteriormente, em 392, Teodósio I proclama o cristianismo religião oficial do Império Romano. Em pouco mais de trezentos anos um professor rebelde de um canto remoto do globo era consagrado como o Deus diante do qual se dobrava o imperador de toda a terra.
Nesse sucesso espetacular pode estar a semente do fracasso histórico do cristianismo em representar adequadamente o seu Rei e as idéias que ele defende.
O apóstolo Paulo havia instado Timóteo que transmitisse diligentemente, e através do seu próprio exemplo, o conteúdo da mensagem a discípulos idôneos, capazes de passá-lo adiante sem qualquer deturpação. Porém o discipulado nos moldes estabelecidos por Jesus e pelos apóstolos era um processo lento e exigente, uma exigência que o sucesso formidável do cristianismo primitivo não se podia dar ao luxo de manter. Jesus e sua religião tornaram-se tão populares que as pessoas queriam abraçá-los mesmo antes de saber do que se tratavam e a que vinham.
Naquele tempo, como ainda hoje e pelos mesmos motivos, as pessoas eram convidadas a adotar e defender o cristianismo muito antes de serem ensinadas a discernir por si mesmas as idéias e valores que o Cristo havia adotado e defendido. O cristianismo foi desde cedo produto mais popular do que Jesus. A etiqueta tornou-se instantaneamente mais famosa e mais desejável do que o modelo.
As pessoas se convertiam como moscas, abandonando em massa suas religiões ancestrais em favor da nova e irresistível onda, que combinava os ideais elevados do estoicismo com o misticismo de Platão. De uma hora para outra o empoeirado Filho do Homem tornou-se o herói unânime de todo o mundo conhecido.
Jesus saiu, naturalmente, prejudicado com essa inusitada glória. Como diz Jorge Luis Borges, "a fama é uma espécie de incompreensão: talvez a pior".
Em comum com os romanos e bárbaros, posso ter também adotado o cristianismo cedo demais. Versões disneyficadas da vida de Jesus foram impressas em mim muito antes que eu pudesse conceber Jesus como o homem completo e complexo que aparece nas páginas do Novo Testamento.
Olhando para trás, eu vejo que eu estava pronto para admitir Jesus como Deus muito antes de ser capaz de reconhecê-lo como pessoa notável, divulgador de idéias incomuns, proponente de improvável estilo de vida. Pensar em Jesus como Deus logo cedo foi, para mim, parte fundamental da estratégia de anular qualquer coisa que ele tivesse dito, feito e exigido.
Afinal de contas o sujeito era Deus, maior contraste entre ele e os homens não poderia haver. Nada que dizia respeito a ele poderia vir jamais a dizer respeito a mim. Aceitando Jesus como Deus eu havia, paradoxalmente, sido imunizado contra suas palavras e suas idéias e sua vida e seu exemplo, contra a sua pessoa.
A divindade de Jesus permanecia, no entanto, coisa ligada à religião que eu professava, e não a qualquer convicção pessoal. Era a "crença correta", requisito para que eu me mantivesse sensatamente ligado à religião dos meus pais sem causar maiores problemas a eles e a mim.
Quando encontrei-me finalmente, depois de evitá-lo por muitos tempo e de todas as formas, aos pés do Jesus homem, quando senti-me definitivamente esmagado pela singularidade do seu pensamento, de suas demandas e sua conduta, quando me achei diante do personagem complexo e inclassificável, do caráter puro, espertíssimo e inconformado, do homem inteiramente terno, intransigente, flexível e irrefreável, somente então a possibilidade daquele sujeito ser realmente Deus cruzou minha mente e meu coração.
Descobri que não havia ninguém que eu admirasse mais do que aquele louco crucificado, e pela primeira vez sua vida pesava para mim tanto quanto sua morte.
Cheguei à conclusão de que somente alguém que ousou ser e provar-se tão extraordinariamente homem tinha cacife para afirmar-se Deus.
Mas se Jesus é como afirmava ser a ressurreição e a luz do mundo, a verdade, o caminho e a vida. Se, como ele dizia, não se pode esconder uma cidade edificada sobre o monte, de que forma os cristãos conseguiram manter-se por dois mil anos praticamente a salvo da sua mensagem?
Parte importante do problema pode ter sido, paradoxalmente, a extraordinária e crescente popularidade que o cristianismo foi alcançando ao longo dos seus primeiros três séculos de história. Mesmo antes que um ponto final houvesse sido colocado nos livros do Novo Testamento, a nova e revolucionária doutrina do Caminho se propagava à velocidade da língua por mercados, bazares, casas, sinagogas, teatros, tribunais, palácios e escolas de filosofia.
Constantino foi o primeiro imperador romano a professar e organizar o cristianismo como religião no Concílio de Nicéia em 325, e posteriormente, em 392, Teodósio I proclama o cristianismo religião oficial do Império Romano. Em pouco mais de trezentos anos um professor rebelde de um canto remoto do globo era consagrado como o Deus diante do qual se dobrava o imperador de toda a terra.
Nesse sucesso espetacular pode estar a semente do fracasso histórico do cristianismo em representar adequadamente o seu Rei e as idéias que ele defende.
O apóstolo Paulo havia instado Timóteo que transmitisse diligentemente, e através do seu próprio exemplo, o conteúdo da mensagem a discípulos idôneos, capazes de passá-lo adiante sem qualquer deturpação. Porém o discipulado nos moldes estabelecidos por Jesus e pelos apóstolos era um processo lento e exigente, uma exigência que o sucesso formidável do cristianismo primitivo não se podia dar ao luxo de manter. Jesus e sua religião tornaram-se tão populares que as pessoas queriam abraçá-los mesmo antes de saber do que se tratavam e a que vinham.
Naquele tempo, como ainda hoje e pelos mesmos motivos, as pessoas eram convidadas a adotar e defender o cristianismo muito antes de serem ensinadas a discernir por si mesmas as idéias e valores que o Cristo havia adotado e defendido. O cristianismo foi desde cedo produto mais popular do que Jesus. A etiqueta tornou-se instantaneamente mais famosa e mais desejável do que o modelo.
As pessoas se convertiam como moscas, abandonando em massa suas religiões ancestrais em favor da nova e irresistível onda, que combinava os ideais elevados do estoicismo com o misticismo de Platão. De uma hora para outra o empoeirado Filho do Homem tornou-se o herói unânime de todo o mundo conhecido.
Jesus saiu, naturalmente, prejudicado com essa inusitada glória. Como diz Jorge Luis Borges, "a fama é uma espécie de incompreensão: talvez a pior".
Em comum com os romanos e bárbaros, posso ter também adotado o cristianismo cedo demais. Versões disneyficadas da vida de Jesus foram impressas em mim muito antes que eu pudesse conceber Jesus como o homem completo e complexo que aparece nas páginas do Novo Testamento.
Olhando para trás, eu vejo que eu estava pronto para admitir Jesus como Deus muito antes de ser capaz de reconhecê-lo como pessoa notável, divulgador de idéias incomuns, proponente de improvável estilo de vida. Pensar em Jesus como Deus logo cedo foi, para mim, parte fundamental da estratégia de anular qualquer coisa que ele tivesse dito, feito e exigido.
Afinal de contas o sujeito era Deus, maior contraste entre ele e os homens não poderia haver. Nada que dizia respeito a ele poderia vir jamais a dizer respeito a mim. Aceitando Jesus como Deus eu havia, paradoxalmente, sido imunizado contra suas palavras e suas idéias e sua vida e seu exemplo, contra a sua pessoa.
A divindade de Jesus permanecia, no entanto, coisa ligada à religião que eu professava, e não a qualquer convicção pessoal. Era a "crença correta", requisito para que eu me mantivesse sensatamente ligado à religião dos meus pais sem causar maiores problemas a eles e a mim.
Quando encontrei-me finalmente, depois de evitá-lo por muitos tempo e de todas as formas, aos pés do Jesus homem, quando senti-me definitivamente esmagado pela singularidade do seu pensamento, de suas demandas e sua conduta, quando me achei diante do personagem complexo e inclassificável, do caráter puro, espertíssimo e inconformado, do homem inteiramente terno, intransigente, flexível e irrefreável, somente então a possibilidade daquele sujeito ser realmente Deus cruzou minha mente e meu coração.
Descobri que não havia ninguém que eu admirasse mais do que aquele louco crucificado, e pela primeira vez sua vida pesava para mim tanto quanto sua morte.
Cheguei à conclusão de que somente alguém que ousou ser e provar-se tão extraordinariamente homem tinha cacife para afirmar-se Deus.
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