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"O que me faz viver é tão intenso que até me perco se explicar. O que me faz viver é tão profundo, mas me vê no mundo, no singular. O que me faz viver vai além da lógica. É maior do que a amplitude cósmica, que o meu pensar. O que me faz viver, eu sei, é isto: de Jesus, o Cristo, o amar." [Sérgio Pimenta]

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

PRÁTICO







“As pessoas dizem que precisamos ter Cristo no coração. Cristo no coração é poético, mas não muito prático. Precisamos dele em nossas mãos, pés e ouvidos como uma lembrança de que não podemos pecar...”

Foi com essas palavras, baseadas no capítulo 29 de Êxodo, versos 19 e 20, que um amigo pastor fundamentou seu sermão de domingo.
Não nos víamos há algum tempo, então decidi visitá-lo em sua igreja. Na esquina já se ouvia o som da congregação cantando. O culto era animado com muitas canções. Em determinado momento, o pastor convidou algumas pessoas a subirem ao púlpito. Elas seriam apresentadas à congregação. Eram os novos membros. Após os testemunhos individuais de conversão, o pastor convidou a igreja a ler vinte rigorosas regras, ou condições para os aspirantes a membros. O pastor numerava uma a uma, ao passo que a igreja recitava cada “preceito” em uníssono.
Logo em seguida, meu amigo pastor deu início ao seu sucinto e prático sermão.
Resumidamente a mensagem ressaltava a necessidade de se viver uma espiritualidade mais prática em vista das tentações desse mundo. Ele dizia repetidamente não admitir pessoas que se pretendiam cristãs, entregarem-se a mundanismos como ouvir música secular, por exemplo. Então, a solução para o risco de uma iminente apostasia, era adotar criteriosamente um padrão de conduta mais objetivo, mais enérgico e mais eficaz do que recorrer a metáforas do tipo “ter Jesus no coração”, que soaria muito poético e belo, porém nada “prático”
Lendo certa vez um artigo sobre comportamento em uma revista bastante popular, um psicólogo expunha a noção de que uma das marcas que definem a condição de psicose é a incapacidade de compreender o mundo em termos simbólicos. No mundo do psicótico não existe metáfora, parábola, representação, poesia, associação ou alusão. Não há jogo de significações. Seu pensamento, que equivale à sua própria experiência, é rigorosamente concreto e literalista. Já um neurótico, ou seja, uma pessoa normal enxerga uma palavra cercada por uma aura sempre repleta de sentidos, interpretações, referências, metáforas e ambivalências. Para o psicótico, não existe dúvida nem ambivalência: significante e significado serão sempre uma mesma coisa. Para o psicótico, uma experiência nunca é refletida por outra. Nada remete: a representação é a própria coisa em si, e tudo que existe é o literal.
As características dessa condição tornam o psicótico quase sempre imune à psicanálise, que demanda a resignificação de simbolismos e a recriação de mitos e metáforas. Como para o psicótico não existem mitos nem metáforas, tudo é tomado rigorosamente ao pé da letra, tudo é concreto, exato e prático.
Neurótico como sou, não pude deixar de encontrar na mensagem do meu amigo pastor sua própria metáfora. Afinal o próprio texto citado de Êxodo sobre aspergir sangue nas pontas das orelhas e dos polegares das mãos e pés direitos de Arão e de seus filhos, muito mais que uma prática ritual, não representava uma metáfora, um alusão a algo porvir?
Uma “espiritualidade prática” é uma espiritualidade doente. Cristo nunca nos forneceu insumos para uma “espiritualidade prática”. Ao contrário, ele só fez dificultar a nossa vida. Ele sustentava a escandalosa noção de que Deus não aceita as pessoas com base em desempenho moral, pureza sexual, ou coerência na observância religiosa, mas unicamente com base em seu próprio cavalheirismo. Aquilo que a maioria das igrejas prega com reservas e exceções, e que Bíblia chama de graça.

Somos psicóticos funcionais, sem verdadeiro acesso à poesia e à metáfora. Psicotizamos a própria experiência.

Cristo expõe nossa psicose, nossa incapacidade de entender o que quer dizer “nascer de novo”.

“(...) Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?”
João 3:3 e 4

Jesus não é um canivete suíço...